21 novembro 2006

O camponês e a rapariga

Porque o amor é um permanente desencontro, porque a maior aprendizagem reside dentro de nós... e porque este texto me fez pensar...
"Era uma vez um camponês de pensamentos simples e poucas posses que se apaixonou pela rapariga mais bonita da aldeia. Ela tinha tudo o que a ele lhe faltava: graça, inteligência, popularidade, brilho, mistério.
Ela era bonita, ele igual a tantos outros. Ela era alegre e divertida, ele tímido e metido consigo mesmo. Ela era fogosa e provocadora, ele mais parecia uma mosca morta. Ela tinha graça quando andava, ele parecia que tinha os sapatos pequenos para os pés. Ela brilhava, ele era fosco como uma lâmpada. Ela tinha a força do sol, ele a sombra da lua. Ela não gostava de ninguém e ele gostava dela.
Um dia, junto à fonte, declarou-lhe o seu amor e ela riu-se dele. Então ajoelhou-se aos pés dela e jurou-lhe amor eterno. Ela riu-se outra vez e respondeu com escárnio e desprezo: amor eterno, isso não existe. Mas ele não desistiu. Queria amá-la para sempre e estava disposto a honrar o seu amor por ela.
Então ela olhou para ele com mais atenção e pensou que até podia amar um dia aquele homem, tão igual a tantos outros, e lançou-lhe um desafio. Durante cem dias e cem noites ficarás debaixo da minha janela à minha espera. Faça chuva ou faça sol, caia neve ou trovoada, noite e dia, dia e noite. Cem dias e cem noites. Se aguentares tanto tempo, então é porque mereces o meu amor.
O camponês regressou a casa com o coração cheio de esperança. Cem dias era um preço baixo a pagar para ter a sua amada. O tempo iria voar, tinha a certeza.
No dia seguinte, fez um farnel e foi para debaixo da janela dela. Esperou que ela aparecesse e acenou-lhe quando a viu espreitar por entre as frestas das portadas. O mesmo aconteceu na segunda noite. E na terceira. E na quarta. E em todas as noites que se seguiram.
Todos os dias, a qualquer hora, lá estava ele, à espera de um sinal dela, para lhe mostrar que estava ali, de pedra e cal à espera de merecer o seu amor. Acabou o Verão. Chegou o frio. Depois a chuva. Depois a neve. E o camponês sempre perfilado como um soldado na parada, à espera que ela o espreitasse pelas portadas para lhe poder mostrar que estava ali, a cumprir o seu desígnio, a resgatar a sua promessa.
Nunca durante todos esses dias ela abriu a janela para o saudar. Nunca lhe abriu a porta e o convidou a entrar e descansar da sua vigília. Nunca lhe ofereceu um sorriso, uma palavra de afecto, um instante de atenção.
Mas ele continuava lá, agora já cansado, enregelado pelo frio, ferido pela indiferença dela, desgastado pelo vento e pela chuva, faminto e triste, sentindo-se cada vez mais só...
Na nonagésima nona noite ele esperou mais uma vez por ela. E mais uma vez ela não apareceu. O camponês abanou a cabeça, sentou-se no passeio e chorou durante muito tempo.
Tanto tempo que a noite passou e o dia começou a nascer. Tantas horas de espera, tantos sonhos no seu coração, tanto amor para dar e afinal nada valera a pena. A rapariga continuava a ignorá-lo, a fazer troça do seu amor. Sentado no passeio, chorou e viu as suas lágrimas formarem um fio de água que ia ter ao rio, e este ia ter ao mar. Viu o seu amor diluir-se, sentiu que a sua paixão não era nada, comparada com outras paixões que moveram mundos, povos e montanhas. Era só mais um fio de água que corria para se juntar ao mar.
Foi então que o camponês percebeu. Percebeu que não era ele que não era digno do amor dela, ela é que não merecia o amor dele. Que tudo o que ele amava naquela rapariga era uma ilusão, não existia. Que o seu esforço só lhe tinha servido para aprender a conhecer-se e a aceitar-se melhor a si próprio. Era um homem livre.
No dia seguinte rendida a tanto amor, ela abriu a porta... e ele tinha-se ido embora"

7 comentários:

Anónimo disse...

Quote:
"Percebeu que não era ele que não era digno do amor dela, ela é que não merecia o amor dele."

Simples de se dizer e no entanto tão complicado de se sentir.

O camponês.

Anónimo disse...

Sou agora um homem "livre"... mas "preso" pois não consigo esquecer o amor!
Ahhhhh, como é dura a "liberdade"!!!

O campónio

Anónimo disse...

Eh pá... Tou a ver q este post vai merecer mtos comments... hummm... Dá q pensar... A vida real está cheia de camponeses... Aliás, atrevo-me a dizer q, todos nós, em determinada altura da nossa vida, sentimo-nos e agimos como o camponês... Depois é sobretudo uma questão de sorte, de ser correspondido... Beijinho grande amiga da vida e continua a fazer-nos pensar

P.S. - Sim, Ruizinho, era eu a inesf (só por causa disso vou passar a assinar como deve ser). Ah e faz favor de n deturpar o q eu digo, ok? lol Beijinho pa ti também *

Anónimo disse...

Ah e não é q ficou anónimo... É pior a emenda q o soneto =D Sorry Rui e Pat

Unknown disse...

O amor é uma coisa. Abrir a pestana é uma coisa. Para se chegar às coisas, é preciso ter-se conhecimento das coisas. Olha, e foi o que fez o rapaz... Um rasgo de ficção, sobre o que custa, para alguns, saber quem são...

Patricia disse...

bem espero que não pensem que os dois prmeiros comentarios são da ines! nem do rui! parece que tenho um admirador secreto..enfim... espero q um dia assines! obrigada ines e joaquim pelos comments, e a todos os que têm lido o meu bloguito!! e desde já aconselho a leitura do blog do proprietário do ultimo comment, o joaquim :)

Anónimo disse...

Como mulher, gostava de dizer que tenho pena que o final desta história não seja diferente.
Em primeiro lugar, porque a rapariga mais bonita da aldeia um dia vai perguntar-se onde estará aquele alguém que gostaria mesmo dela.
Em segundo, porque há que admirar todos os camponeses que ainda existem, desde que não sejam obsessivos...
E por último, porque não deveria ser assim que um rapaz se descobre a si e à sua liberdade...

Não era tão melhor que a moral desta história fosse algo do género: e ele não desistiu, ela percebeu que não valia a pena esperar por um outro príncipe (pois ele estava ali diante dos olhos dela) e viveram felizes para sempre?
Porque afinal, o amor também pode ser feito de desencontros, mas sobretudo de nos sentirmos sempre amados e da capacidade de não se desistir e lutar-se por aquilo que se quer, até ao fim.
Enfim...são apenas notas de alguém que vê diaramente muitas das suas amigas a "recorrer" a rapazes que não gostam verdadeiramente delas e que em vez de as perseguir, as ignoram.. e elas sofrem, mas que afinal é isso é que dá "pica"!!?