12 janeiro 2007

O tempo que for preciso

“O tempo está para o amor como o vento para os incêndios; apaga os fracos e ateia os mais fortes. É uma espécie de teste, uma prova cega, uma forma inequívoca de clarificar a essência daquilo a que tantas vezes queremos chamar amor e que ainda não é mais do que o minúsculo embrião de futuro incerto e tantas vezes improvável.
O tempo está para o amor como o vento para os incêndios. Alastra repentinamente, traiçoeiro e sem aviso, vai para lugares onde nunca pensamos que pudesse sequer chegar, faz-nos temer, sofrer, rezar, dá-nos vontade de lutar para o combater, porque não sabemos para onde vamos, o que queremos nem se seremos o mesmos depois do fim... e por isso receamos o fim mesmo antes do princípio, imaginamos cenários apocalípticos para proteger o coração cansado e errante que não quer ainda, apesar de tudo, parar para pensar ou escolher um lugar.
O tempo está para o amor como está para tudo o resto na vida. É o tempo que nos dá maturidade, que nos ensina a distinguir o que é urgente daquilo que é mesmo importante, que nos mostra onde estão os verdadeiros amigos, que nos dita quais os princípios pelos quais nos regemos e como devemos lidar com as nossas fraquezas. O tempo ensina-nos a viver com os nossos defeitos e a respeitar as diferenças dos outros. Dá-nos sabedoria, tolerância, paciência, distância, objectividade, clareza mental. Afasta as dúvidas e as hesitações. Poupa-nos de decepções e enganos. Abre-nos os olhos quando somos os únicos a não ver. E dá-nos força para continuar, mesmo que o amor seja uma ausência, uma perda, uma falta, uma desilusão.
Mas o amor está para o tempo como uma vela acesa numa noite de luar. O amor é trémulo, impaciente, frágil, volúvel, fraco, fácil de acender.
Tantas vezes se consome a si próprio, tantas vezes é fácil de apagar, para depois se reacender, voltar a vacilar, incerto e inseguro, quente mas efémero, forte mas falível, romântico mas tantas vezes superficial...
O amor abre o coração, desprotege os espírito, acorda o corpo e aquece a alma. Pode nascer de um olhar mais longo, de uma conversa à mesa, de uma passeio à beira-mar, da simples passagem da palma de uma mão por uma cintura desprevenida. Não tem regras, nem tempo, nem cores, porque não tem limites, nem compassos nem contornos. Por isso é que quando nos apaixonamos enchemos páginas inúteis com os defeitos e qualidades do nosso amado sem chegarmos a nenhuma conclusão. E ao vermos nele alguns defeitos que tanto abominamos, condescendemos, abreviamos, contemporizamos e deixamos passar. Porque o verdadeiro amor é aquele que resiste ao tempo, sobrevive às dúvidas, emerge do medo e aprende a dominá-lo.
Amar é outra coisa. É dar sem pensar, é sonhar o dia todo acordado e dormir sem nunca adormecer, é galgar distâncias com agilidade e destreza, é viajar sem sair de casa, escolher livros e programar surpresas, namorar o telefone à espera que ele toque, acordar depois de duas horas de sono com cara de bébé, sentir que somos invencíveis e que a perfeição está tão perto e é tão fácil, que a morte já podia chegar, sem termos medo de perder a vida.
O verdadeiro amor é absoluto, indestrutível, estóico, infléxivel na sua essência e tolerante na sua vivência, discreto, sóbrio, contido, reservado, escondido, recatado, amadurecido, desejado, incondicional, amargurado, sagrado, sobressaltado. O verdadeiro amor é dedicado, bom ouvinte, cúmplice, fiel sem ser servil, atento sem se impor, carinhoso sem cobrar, atencioso sem sufocar e muito, muito cuidadoso para nunca se perder, se estragar, se esquecer ou desvirtuar. O segredo está no tempero, na moderação, nas palavras que nunca se chegam a dizer, nas conversas perdidas à beira rio, no olhar que fica no ar, no tempo que é preciso para que cresça, amadureça e deixe de meter medo. É preciso dar tempo ao amor, um tempo sem tempo, sem datas nem prazos, sem exigências nem queixas, porque o amor leva o tempo que for preciso.”

6 comentários:

Anónimo disse...

Como não consigo escrever nada tão bonito, tão intenso e, ao mesmo tempo, tão verdadeiro, só me ocorre dizer uma frase batida: "Dá tempo ao tempo" miga...!
E já que estamos numa de falar do tempo deixo-te aqui dois versos de uma música do Sérgio Godinho (O primeiro dia) que também gosto muito: "E entretanto o tempo fez cinza da brasa... E outra maré cheia virá da maré vaza"... ***

Anónimo disse...

Quem é homem de bem,
não trai
O amor que lhe quer
seu bem
Quem diz muito que vai
não vai
Assim como não vai
não vem
Quem de dentro de si
não sai
Vai morrer sem amar
ninguém

É curioso como encontramos nas palavras dos outros o que nos vai na cabeça...ou na alma...ou em ambos naquelas alturas em que não sabemos sequer distinguir o dia da noite. E são as palavras dos outros que nos confortam quando passamos o dia à espera da noite, ou quando deambulamos na noite à espera que amanheça. A ideia não é minha, mas concordo com ela. As palavras substituem os relógios que em tantas ocasiões são sorte madrasta, que nos atraiçoam por não marcar o tempo suficiente para acalmar o espírito. Isto dito assim, de cor, parece muito fácil. Nada é tão simples. Vais ver que a maré cheia vai surgir quando menos esperas...O Sérgio Godinho sabe isso, a Inês também...restas tu acreditar que sim !

Anónimo disse...

Batista, embora não te conheça (penso eu de que...) gostei do que escreveste. De quem são os versos que citaste? Gostei...
Temos que levar a nossa amiga a acreditar (no tempo e, sobretudo, nela)...

Anónimo disse...

Era bom que todos entendessemos o amor assim...mas há algumas passagens deste texto que nos remetem para o amor incondicional, que raramente acontece na "vida real". O amor também pressupõe uma escolha, e dito de um forma fria: ninguém ama desmedidamente outro alguém sem que isso traga benefícios...Mesmo que duas pessoas se amem, não significa que não esperem algo em troca...não é?
A menos que estejamos a falar de amor entre irmãos, pais e filhos, que esse sim, supera muitas vezes todas as dificuldades.
E já agora, de quem é este texto? Porque está entre aspas?

Anónimo disse...

Olá Inês. Embora também não te conheça pessoalmente, já me prendi em alguns comentários teus. Os versos são do Vinicius de Moraes. Acho que mesmo tão mulherengo como era, deu a perceber nestas linhas o quanto é importante, no mínimo, respeitar a pessoa que se quer muito. E também é bem possível que mesmo no Brasil, os sintomas da alma sejam "curados" da mesma forma. Acredito que, sem qualquer ofensa, a Patricia é como uma vara verde: está frágil, algo vergada, mas tem a força suficiente para não partir. Oxalá ela mesma acredite nisso. E acredito que acredita !!

(Ps. Inês, se falares com a Patricia, manda-lhe cumprimentos...pode acontecer que ela não leia os nossos comentários)

Patricia disse...

só respondo ao/à anónima se ela/ele se identificar. e tenho dito!! :)